sábado, 29 de abril de 2023

“Cartum virou uma cidade fantasma”, diz brasileiro resgatado do Sudão à CNN

Esdras Lopes, da comissão técnica do Al-Merreikh, fala sobre a epopeia para fugir do país e conta que dois brasileiros tiveram de se arriscar em meio aos combates para se juntar ao grupo Os nove brasileiros resgatados do Sudão enfrentaram uma dura epopeia para retornarem ao Brasil em segurança. Integrantes do elenco e comissão técnica do Al-Merreikh, clube da cidade de Ondurman, chegaram ao Brasil na sexta-feira (28) e tiveram de passar por várias provações para fugir dos combates que assolam o país desde o último dia 15 e chegar ao Egito. À CNN, o assistente técnico e analista de desempenho do clube, Esdras Lopes, contou sobre as barreiras enfrentadas e falou sobre um dos momentos mais tensos que enfrentaram: quando dois colegas tiveram de deixar o hotel e sair às ruas de Cartum para se juntar ao resto do grupo. “Estava muito perigoso (onde eles estavam), então eles se arriscaram lá”. Esdras conta que, quando começou o conflito, o time tinha acabado de chegar ao país, após ter disputado duas competições internacionais: a Champions League africana e a Copa Árabe. “Ficamos viajando por cerca de dois meses. Tínhamos voltado alguns dias antes”. Na semana do conflito, ele conta que apenas dois dos brasileiros estavam concentrados: o fisioterapeuta Joílson Amorim e o atacante Paulo Sérgio. “Para aquele jogo a gente estava descansando os atletas, só um ia jogar”.Por esse motivo o grupo não estava junto quando o conflito explodiu, no dia 15. “Eles ficaram presos no hotel por dois dias”, conta Lopes. No entanto, a situação precária do prédio em que se encontravam, mais o temor de que algumas das tropas invadisse o local, fizeram com que eles se arriscassem a sair pelas ruas de Cartum para se encontrar com os demais brasileiros.“Eles não aguentavam mais (ficar no hotel), já estava muito perigoso, os tiroteios chegando muito perto e eles estavam sem luz. Então eles arriscaram: arrumaram um Tuk-Tuk (pequeno carro utilizado na região) e foram ao nosso encontro. Sem contato com o clube Lopes comenta que, durante o período em que estavam confiando não tiveram nenhum contato com o clube. “Ninguém nos procurou, foi um silêncio absoluto”. Enquanto entravam em contato com o Itamaraty, buscavam uma forma de arrumar um ônibus para deixar Cartum. Ele inclusive comenta que não receberam os salários devidos. “A gente também tinha que receber os prêmios. Não recebemos nada”. Nesse período os brasileiros permaneceram na região onde moravam: uma espécie de bairro internacional, com residências de muitos estrangeiros e também onde funcionavam os escritórios da ONU e da Unicef. Lopes comenta que havia seguranças armados na região, mas que eram insuficientes para conter um eventual ataque das milícias ou mesmo do Exército. “Ficamos sete dias ali, esperando quando ia poder sair”. Dentro da zona de guerra Lopes comenta que, por estarem muito próximos da zona de guerra, testemunharam com detalhes todo o cenário de horror que se desenhava. “Vimos tudo: bombardeios por ar, com os aviões. Por terra teve os combates, com as tropas passando e a milícia no meio”, comenta. “E depois virou uma cidade fantasma. A gente não podia nem pensar em ir na rua”. O brasileiro conta que o maior medo é que os edifícios residenciais começassem a ser visado como área estratégica e pudessem ser invadidos. “A gente morava em um prédio que, os padrões de lá, era muito bom. E podia ser uma base (militar). Então a gente não sabia nunca o que podia acontecer”. Durante o período em que estavam em suas casas, souberam que alguns integrantes do clube foram convocados para participar das batalhas. “Eles saíram do hotel e foram para os seus quartéis”. A saída A situação mudou quando alguns funcionários e diretores do clube conseguiram um ônibus para deixar o país. Lá, encontraram funcionários da Embaixada Brasileira que conseguiram chegar até o local, desviando dos combates intensos. Foi o fim de um período de temor para outro, de grandes incertezas. “Essa viagem foi muito tensa, porque havia vários checkpoints pelo caminho”. Ao todo, foram 20 horas de viagem de Cartum até a fronteira com o Egito. Chegando lá, tiveram novos períodos de espera e angústia. Levamos mais 10 horas para poder entrar no setor de Imigração. Depois que conseguimos entrar, passamos mais 10 horas lá dentro”. Durante todo esse período, passaram por vários percalços. “Perdemos passaporte, já não tinha mais água e a comida era muito escassa”. Somente depois de todo esse périplo eles conseguiram partir. Brasilieiros reunidos na fronteira entre Sudão e o Egito / Arquivo pessoal/Esdras Lopes A partir de então, a situação atingiu um certo nível de tranquilidade. Eles passaram a noite em território egípcio, ainda na fronteira, e rumaram na manhã seguinte para a capital Cairo. “Lá passamos mais um dia e saímos no dia seguinte”, diz Lopes. Ele conta que acabaram perdendo um dos voos para o Brasil, porque não conseguiram chegar a tempo. “Por isso só chegamos na sexta”. Agora, resta pensar no futuro. Lopes não vê esperança de retornar ao país em curto ou médio prazo. “Eu acho que esse ano não tem mais futebol lá”, resume. O conflito Mais de 500 pessoas foram mortas e mais de 4 mil ficaram feridas devido aos conflitos entre o Exército e as Forças de Apoio Rápido (RSF) que eclodiu em 15 de abril e desativou uma transição apoiada internacionalmente para eleições democráticas. Os dois grupos, que lutam pelo poder há vários anos, violaram diversas tréguas mediadas pelos países vízinhos, além dos Estados Unidos, prosseguindo com ferozes combates. Centenas de milhares de pessoas deixaram o país por meio das fronteiras do Egito, Chade, Djibuti e Eritreia. Mesmo o Sudão do Sul, que convive com uma grave crise humanitária, foi o destino de ao menos 20 mil refugiados. Ataques aéreos, tanques e artilharia abalaram a capital do Sudão, Cartum, e a cidade vizinha de Bahri, nesta sexta-feira (28), disseram testemunhas, embora o Exército e uma força paramilitar rival tenham concordado em estender uma trégua por 72 horas.

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