segunda-feira, 26 de junho de 2023

Genética e inflamação na gravidez podem causar fissura labiopalatina

Pesquisadores da USP e da University College London, do Reino Unido, demonstraram em modelo animal que a fenda labiopalatina, condição também conhecida como lábio leporino, é decorrente da associação de dois fatores: um genético e outro associado à ocorrência de inflamação durante a gravidez —no período de formação e desenvolvimento do embrião.

Em artigo publicado na revista Nature Communications, o grupo descreve como a relação gene-ambiente pode provocar a malformação craniofacial. O estudo foi conduzido no CEGH-CEL (Centro de Estudos do Genoma Humano e de Células-Tronco), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da Fapesp sediado no IB-USP (Instituto de Biociências).

"Nosso grupo acompanha famílias com casos de lábio leporino há anos e havia a suspeita de que, para que ocorresse a malformação, seria necessário um componente ambiental, além do genético. Pois, ao fazer o sequenciamento genético dessas pessoas, vimos que, apesar de muitas delas terem a mutação no gene CDH1, uma parcela importante não apresentava a malformação. Faltava uma peça que explicasse por completo o que levava à ocorrência do lábio leporino", conta Maria Rita Passos-Bueno, pesquisadora do CEGH-CEL que coordenou a pesquisa.

De acordo com Passos-Bueno, outro elemento que reforça a hipótese é que, entre as pessoas acompanhadas, se observa uma variação grande em relação à gravidade das fissuras.

A pesquisadora explica que, quando há mutação em um dos alelos do gene CDH1 (que codifica a proteína E-caderina), o resultado pode ser o desenvolvimento de fissura labiopalatina e também de um tipo de câncer gástrico.

A mutação interfere no processo de migração de células das cristas neurais —células presentes no desenvolvimento embrionário e que se diferenciam para a formação de ossos, cartilagem e tecido conectivo da face, entre outros tipos celulares.

Com o comprometimento da migração das cristas neurais durante o desenvolvimento embrionário, o processo de diferenciação é prejudicado, podendo resultar na fissura labiopalatina. No entanto, ressalta Passos-Bueno, essa variante sozinha não explica completamente a questão hereditária da fissura labiopalatina.

"Quando os dois alelos de CDH1 são afetados, o embrião morre. Já quando um alelo é normal e o outro mutado, há compatibilidade com a vida e, na maioria dos casos, não ocorre malformação. A esse fenômeno de hereditariedade se dá o nome de penetrância incompleta: existe a mutação genética, mas ela não é traduzida no fenótipo", explica Passos-Bueno.

Na busca pela peça que faltava para montar o quebra-cabeça, os pesquisadores passaram a investigar algum fator ambiental que pudesse contribuir com o processo de malformação.

"Dados da população com lábio leporino mostram que obesidade, diabetes e outras situações pró-inflamatórias, como infecção materna [episódios de febre durante a gestação], são fatores de risco para a criança nascer com fissuras. Mas precisávamos mostrar como essa relação se dava. Os resultados do nosso estudo mostraram que moléculas inflamatórias denominadas citocinas [secretadas por células do sistema imune] induzem uma hipermetilação do gene CDH1 [modificação bioquímica que altera o padrão de expressão do gene]", diz Passos-Bueno.

É o fenômeno que os cientistas chamam de epigenética, ou seja, modificações bioquímicas nas células ocasionadas por estímulos ambientais (no caso, a inflamação) que promovem a ativação ou o silenciamento de genes sem provocar mudanças no genoma (mutações).

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